Em decisão disponibilizada em 20/10/2022, o Desembargador Federal Nery Júnior, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, concedeu tutela antecipada em Agravo de Instrumento imposto pelo KIA ORA BAR & GRILL LTDA., que poderá aproveitar os benefícios do PERSE, independentemente da data de sua inscrição no cadastro do Ministério do Turismo – CADASTUR. O KIA ORA foi representado nesta ação pelo CBLM Advogados.
A decisão é relevante por ser uma das primeiras (senão a primeira) sobre a matéria proferida por um tribunal, mais especificamente o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que responde pelos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Até agora as decisões favoráveis e contrarias que tínhamos notícia provinham de juízes de primeira instância.
Conhecido pela abreviação “PERSE”, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, contempla uma série de incentivos para recuperar um dos segmentos econômicos mais atingidos pela pandemia de COVID. O principal incentivo é de natureza tributária, mais especificamente a desoneração, por 60 meses, de quatro tributos federais incidentes sobre os resultados das empresas do setor (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS).
A lei 14.148/2021, que instituiu o PERSE, conceitua em termos amplos as atividades que fazem parte do setor de eventos e delega ao Ministério da Economia a função relacionar os Código de Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAES que fazem jus ao benefício.
Essa relação de CNAES contempla os códigos correspondentes a bares, restaurantes e congêneres, que são classificados como prestadores de serviços turísticos. Para esses estabelecimentos, no entanto, o Ministério da Fazenda criou uma exigência que não estava prevista na Lei, que é a inscrição no cadastro do Ministério do Turismo – CADASTUR, na dada da publicação da Lei 14.148, ou seja, 04/05/2021.
Ocorre que o CADASTUR nunca foi exigido para bares e restaurantes e a maioria de seus proprietários sequer sabia de sua existência. Da noite para o dia, por obra e graça do Ministério da Economia, o CADASTUR passou a ser vital para a recuperação econômica de bares e restaurantes castigados pela pandemia.
Essa exigência levou a uma enxurrada de ações judiciais, pois, além de ser desprovida de base legal, ela pode criar uma grave distorção de caráter concorrencial no setor de bares e restaurantes.
Em tese os tributos deveriam incidir igualmente entre contribuintes de um mesmo porte ou segmento econômico, mas a regulamentação do PERSE acabou por criar duas classes diferentes bares e restaurantes. Uma primeira composta por aqueles CADASTUR em maio de 2021 e, por conta disso, passarão cinco anos sem precisar pagar IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, e uma maioria de incautos que, se não recorrer ao Poder Judiciário, deverá continuar arcando com esses tributos.
Para um contribuinte que sobreviveu a duras penas a pandemia, pior do que não receber nenhum alívio tributário durante sua recuperação é ver seu concorrente operar por cinco anos sem pagar quatro relevantes tributos federais, o que lhe confere muito mais chances de sobreviver e prosperar em um setor econômico bastante competitivo.
Por conta dessas graves distorções, diversos bares e restaurantes têm recorrido ao Poder Judiciário para questionar a exigência do CADASTUR para o aproveitamento do PERSE e as decisões de primeira instância proferidas até então estão bastante divididas.
Como a matéria é bastante recente, ainda não há decisões de mérito. O próprio precedente do KIA ORA se limita a apreciar, em grau recursal, o pedido de liminar negado em primeira instância, sem adentrar com profundidade em todos os fundamentos desenvolvidos pelo contribuinte. Mesmo assim, deve-se comemorar que a primeira decisão de segunda instância de que se tem notícias seja favorável aos contribuintes, pois é um indicativo de que nossos tribunais estão atentos aos efeitos deletérios de uma péssima regulamentação, que acaba por descaracterizar os propósitos de um incentivo fiscal que deveria beneficiar igualmente todo um setor econômico e não apenas meia dúzia de privilegiados.